Consigo ouvir as profecias. Eu não as esqueço.
O meu corpo não esquece cada atrocidade; a minha mente é esse poço que vislumbras.
Debruça-te: é o lugar onde guardo cada violência, cada abraço. O lugar de sorrisos e de lágrimas. Guarda o vazio dos meus dias e o sufoco de mil imagens e impulsos, enquanto vagueio nos lugares que existem.
Quero dizer-te um segredo: tenho dias que tenho de abraçar o meu corpo para não fugir.
Consegues fechar os teus olhos para entenderes a minha imagem?
Ainda não consegui lutar contra tudo, preciso de tempo para combater.
Tem sido um longo Inverno: podia jurar-te que caíram mil gotas de chuva no meu rosto!
Às vezes penso que ele chegou cedo de mais e não compreendo que a minha pele estale com o frio, como que um terramoto que me desfragmenta. Se não te importas, ajudas-me a reconstruir?
Tenho tentado colocar-me sobre os telhados das pessoas para lhes falar que o mundo desmoronou, mas para te dizer a verdade, parece que estão adormecidas.
O que será que as adormeceu? Será que não aguentaram o frio?
Bem, espero que seja apenas um breve repouso; o mundo ficaria um lugar demasiado sozinho se pudesse apenas contar comigo.
Espero que todas estas palavras estejam a chegar ao teu lugar no Universo.
É muito importante que todas as letras se unam para tua compreensão, sei que tem sido um momento difícil, uma casa a ruir constantemente. Mas descansa, porque o que me resta ainda permite que segure algo entre os meus dedos para que assim, mesmo com todo este caos de vogais e consoantes, possas olhar o que existe.
Sabes que às vezes penso em fugir para o lugar onde te encontras?
Penso muitas vezes que será um lugar bonito do espaço. Se tu lês a forma do meu pensamento, então não pode ser um lugar errado e por isso desejo muitas vezes partilhá-lo contigo. Não quero ficar sozinho para sempre!
A gravidade dissolveu-se, penso que é por isso existe o caos.
Duvido que algum dia queiras regressar ao lugar que te deu forma. Não te posso sequer pedir que voltes, seria demasiado doloroso. Tenho a sensação que o tempo se arrasta.
Escrevo estas palavras, se não me engano, há centenas de anos e as pessoas continuam adormecidas. Que aconteceu com os corpos?
Começou a chover novamente... Algumas gotas caem sobre o meu piano envelhecido pelo tempo, cada torrente forma um som e dou por mim a desejar que as nuvens estejam a despedir-se de mim com melodias contidas em gotas! No fundo sei que é mais uma das minhas tentativas de alcançar... a árvore! Lembras-te quando te falei dela? É gigante, mas aposto que contém todos os frutos silvestres do mundo.
Não compreendo porque nunca consigo terminar de subi-la!
Certamente que será mais fácil atravessar os muros que se encontram dentro das pessoas! Tenho-me magoado bastante de tanto tentar subir a minha árvore. Não te rias dessa forma, eu não sei desistir!
E há uma coisa que devias saber, por isso vou contar-ta: às vezes vou encontrando letras ordenadas no troco da árvore. Algumas movem-se quando as aperto para não cair, outras não se importam e deixam-me continuar a fazê-lo e nesses dias já subo mais um pouco. Mas sabes, de todas as vezes que caí lá do alto, a última foi a vez mais intrigante, tinha dezenas de letras e diziam as coisas que em tempo ouvi noutras vozes.
Talvez me saibas tu dizer se já as encontraste no teu lugar, acho até estranho que elas estejam por aqui. Cheguei mesmo a pensar que o fizeram desta forma porque se esgotaram os outros lugares.
“A cidade está deserta,
E alguém escreveu o teu nome em toda a parte:
Nas casas, nos carros, nas pontes, nas ruas.
Em todo o lado essa palavra
Repetida ao expoente da loucura!
Ora amarga! Ora doce!
Para nos lembrar que o amor é uma doença,
Quando nele julgamos ver a nossa cura!'
Lembro-me vagamente de ter encontrado um ser humano nestes milénios, desde que vivo.
Foi mesmo no único dia de Sol de que tenho memória. Vi que começara a chover dentro desse ser e perguntei então porque chovia. “A minha realidade não me permite entender tal coisa.”. Agora lembro perfeitamente que me disse essa mesma frase! Contudo, não sei dizer-te mais nada sobre esse momento. Recordo-me apenas que me distraí por alguns séculos e quando olhei de novo, o ser humano tinha desaparecido...
E tudo o que me deixou foram as palavras... e o Inverno como herança.
Sem comentários:
Enviar um comentário