Seis anos. Há seis longos e míseros anos atrás. Um menino, demasiado crescido para ser chamado criança, demasiado medroso para ser chamado adulto. Desde cedo que nada foi fácil. Família disfuncional, mente perturbada e sociedade doente. Esse menino cresceu rapidamente, até que, com um corpo pré-adolescente a sua personalidade estava desenvolvida. Era adulto.
Foi nesse momento que percebi tudo. E foi nesse momento que pus uma máscara no rosto. Essa máscara deu lugar a uma mísera mascarilha, substituída depois por uma mais mísera ainda, maquilhagem. O rosto era meu. O sofrimento no meu olhar era meu. E por isso, não o queria partilhar com ninguém.
O doce sabor agridoce da anorexia do ponto mais extremo instalou-se em mim. A dúvida do sentido da vida, que não tinha sentido para mim, degradou-me cada vez mais até que as feridas não cicatrizassem. A culpa começa a surgir em mim, sob forma de largos e amargos cortes profundos na pele e no coração. As lágrimas desciam pelo meu rosto em abundância como o dilúvio do cataclismo final, do apocalipse sentimental do meu ser: o rapaz anormal, a mente perturbada apenas não queria a vida. Ou apenas não a queria como todos a vivem.
Foi isso que descobri pouco depois. Descobri a liberdade, a identidade. A identidade de quem derrama sangue sem ferida e chora sem cair. A identidade de quem faz sexo e não amor. A identidade de quem erra, de quem se suicida aos poucos, sentimento a sentimento. A dor fazia-me sentir vivo. Que felicidade alguma vez o tinha feito? Entreguei-me então àquela que durante tanto foi a minha companheira – querida e leal, solidão.
Essa minha identidade não conhecia o valor da vida humana. “A vida humana tem valor?” Ainda hoje julgo que não. A vida não era mais que fortes rajadas de dor física. Os violentos actos de auto mutilação faziam o meu sangue formar rios imaginários até a força desaparecer e um desmaio compulsivo irromper a minha sanidade.
Do mesmo modo que a vida não tinha valor também as pessoas não o tinham.
O desgaste psicológico levou ao desgaste físico. E a uma mente livre de clichés. A hipocrisia social que faz as pessoas acreditar que a vida é feliz… afinal, não nascemos e morremos a derramar lágrimas? Penso que nas nossas pouco desenvolvidas mentes infantis, sabemos no fundo o que nos espera. Claro, depois esquecemos, vivemos com todas as mentiras que a sociedade nos impinge. Isso não aconteceu comigo. A vida, para mim, é efémera, sem valor.
Sou liberto de mentiras. Por isso, não minto. Assumo o que sou, uma pessoa que mata se necessitar, que pensa que sexo não é amor, que deus é uma estratégia de medo e que os humanos não passam de super predadores dotados de uma ignorância incrível.
Agora, sou um homem. A vida assim me obrigou e nada me derruba. A dor é esmagadoramente omnipresente que nem sequer dou por ela e a mágoa, essa admito que existe, não cedendo à felicidade fictícia que a sociedade me fez acreditar em tempos, que tanto culpa e revolta me causou.
Acredito no além. Mas isso, tal como tudo não é uma realidade boa. Nem sequer é má. É apenas uma realidade. Sou livre. Sou livre de pensamento, livre espiritualmente. Duvido que muitos possam dizer o mesmo.
Sim, sou estranho. Diferente. O problema do mundo talvez seja esse mesmo. Existem poucas mentes estranhas. Tudo é moldado, ajustado conforme as necessidades e o correcto sobrepõe-se ao real.
Gosto de pensar que as máquinas não trazem peças sobresselentes. São fabricadas num número exacto para o que são necessárias. Então, se o mundo é uma grande máquina, eu sou necessário. Não existem peças sobresselentes. Limito-me a pensar que amanhã o dia nascerá novamente e terei novamente vinte e quatro horas. A minha companheira ficará comigo e, quem sabe, um dia sinta que sou uma peça sobresselente e o suicídio me leve. Julgo que esse dia está próximo, na realidade.
A vida é uma miragem longamente infeliz, com pequenas intermitências de felicidade irreal. Mas eu já consigo ver o horizonte. Distante.

3 comentários:
Ameiii bebe *-* <3
By: Sophie Gonzalez
amo-te, apenas * by s.
:x
Amo-te.
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