24 de março de 2012

As Sombras.

Descrevo aqui palavras minhas em sentimentos teus...
As palavras, aqui representam o medo face a um espelho turvo, o medo de olhar um rosto gémeo cuja expressão é triste e o olhar vazio...
Sei que te deixas levar pela escuridão, ela protege-te do mundo em troca de tão pouco,
apenas a luz pela sombra e a cada respiração ela envolve-te, sufoca-te parecendo que te abraça...
A razão de existir vai esmorecendo até que o teu mundo interior se torne a terra do nunca, onde és livre, ganhas asas negras e voas, nele perdes-te e nele encontras-te,
nele encenas uma peça de teatro negro onde marionetas dançam para ti e te fazem sorrir.
Sei que esse mundo mantém-nos vivos na ilusão, mas um dia acordamos e os fragmentos desse mundo perdem-se na realidade...
Na terra dos homens, somos imperfeitos e aqui as asas negras não voam mais...
Aqui, apenas os amigos nos abraçam e nos levam a sorrir, aqui os anjos são reais e no limiar do sofrimento são eles que nos mostram essa terra do nunca...
Em tempos, essa escuridão prendia-me e hoje ela reina comigo entre palavras e olhares pintados de negro, hoje ela faz parte de mim e agora eu divido-a contigo...
Hoje, essa escuridão é falada através de palavras, as palavras que te escrevo dizendo que não estás só, pois nessa escuridão existem outros como tu!
Imagina essa escuridão, como um quarto escuro onde uma luz se acende e aí poderás ver que não estás só, pois contigo estão todos aqueles cujos sonhos passam pela existência de uma luz artificial, uma luz negativa cujo nome sombra é dado.
A mesma sombra que nos une sob o nome de amizade...

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17 de março de 2012

A Vida.

Seis anos. Há seis longos e míseros anos atrás. Um menino, demasiado crescido para ser chamado criança, demasiado medroso para ser chamado adulto. Desde cedo que nada foi fácil. Família disfuncional, mente perturbada e sociedade doente. Esse menino cresceu rapidamente, até que, com um corpo pré-adolescente a sua personalidade estava desenvolvida. Era adulto.
    Foi nesse momento que percebi tudo. E foi nesse momento que pus uma máscara no rosto. Essa máscara deu lugar a uma mísera mascarilha, substituída depois por uma mais mísera ainda, maquilhagem. O rosto era meu. O sofrimento no meu olhar era meu. E por isso, não o queria partilhar com ninguém.
     O doce sabor agridoce da anorexia do ponto mais extremo instalou-se em mim. A dúvida do sentido da vida, que não tinha sentido para mim, degradou-me cada vez mais até que as feridas não cicatrizassem. A culpa começa a surgir em mim, sob forma de largos e amargos cortes profundos na pele e no coração. As lágrimas desciam pelo meu rosto em abundância como o dilúvio do cataclismo final, do apocalipse sentimental do meu ser: o rapaz anormal, a mente perturbada apenas não queria a vida. Ou apenas não a queria como todos a vivem.
   Foi isso que descobri pouco depois. Descobri a liberdade, a identidade. A identidade de quem derrama sangue sem ferida e chora sem cair. A identidade de quem faz sexo e não amor. A identidade de quem erra, de quem se suicida aos poucos, sentimento a sentimento. A dor fazia-me sentir vivo. Que felicidade alguma vez o tinha feito? Entreguei-me então àquela que durante tanto foi a minha companheira – querida e leal, solidão.
   Essa minha identidade não conhecia o valor da vida humana. “A vida humana tem valor?” Ainda hoje julgo que não. A vida não era mais que fortes rajadas de dor física. Os violentos actos de auto mutilação faziam o meu sangue formar rios imaginários até a força desaparecer e um desmaio compulsivo irromper a minha sanidade.
   Do mesmo modo que a vida não tinha valor também as pessoas não o tinham.
   O desgaste psicológico levou ao desgaste físico. E a uma mente livre de clichés. A hipocrisia social que faz as pessoas acreditar que a vida é feliz… afinal, não nascemos e morremos a derramar lágrimas? Penso que nas nossas pouco desenvolvidas mentes infantis, sabemos no fundo o que nos espera. Claro, depois esquecemos, vivemos com todas as mentiras que a sociedade nos impinge. Isso não aconteceu comigo. A vida, para mim, é efémera, sem valor.
   Sou liberto de mentiras. Por isso, não minto. Assumo o que sou, uma pessoa que mata se necessitar, que pensa que sexo não é amor, que deus é uma estratégia de medo e que os humanos não passam de super predadores dotados de uma ignorância incrível.
   Agora, sou um homem. A vida assim me obrigou e nada me derruba. A dor é esmagadoramente omnipresente que nem sequer dou por ela e a mágoa, essa admito que existe, não cedendo à felicidade fictícia que a sociedade me fez acreditar em tempos, que tanto culpa e revolta me causou.
    Acredito no além. Mas isso, tal como tudo não é uma realidade boa. Nem sequer é má. É apenas uma realidade. Sou livre. Sou livre de pensamento, livre espiritualmente. Duvido que muitos possam dizer o mesmo. 
   Sim, sou estranho. Diferente. O problema do mundo talvez seja esse mesmo. Existem poucas mentes estranhas. Tudo é moldado, ajustado conforme as necessidades e o correcto sobrepõe-se ao real.  
    Gosto de pensar que as máquinas não trazem peças sobresselentes. São fabricadas num número exacto para o que são necessárias. Então, se o mundo é uma grande máquina, eu sou necessário. Não existem peças sobresselentes. Limito-me a pensar que amanhã o dia nascerá novamente e terei novamente vinte e quatro horas. A minha companheira ficará comigo e, quem sabe, um dia sinta que sou uma peça sobresselente e o suicídio me leve. Julgo que esse dia está próximo, na realidade.
      A vida é uma miragem longamente infeliz, com pequenas intermitências de felicidade irreal. Mas eu já consigo ver o horizonte. Distante.