O dia era chuvoso, como que todos os anjos renegados
chorassem pelo blasfémico pecado da indiferença. A cor do céu era semelhante às
filas de sepulturas que estavam ali perante eles. Via-se uma fina camada de
nevoeiro até a linha do horizonte, sem que um único vestígio de esperança se
fizesse sentir perante o clima melancólico fortemente imposto pelos gritos
agoniantes dos espíritos marcados pela revolta.
Saphira, tivera completado a maioridade no dia anterior, os
seus dezassete anos. Possuía uma beleza inumana, pálida como a neve de
Dezembro, um corpo esguio e perfeitamente moldado pelas curvas femininas
demasiado belas para uma simples mortal. Os seus olhos eram de um azul tão
inocente como o céu do paraíso, rodeados de uma carregada maquilhagem negra e
os seus cabelos eram de um negro tão sombrio como breu, de um liso perfeito,
acariciando-lhe o corpo até às ancas. A face estava agora com uma marca negra
resultante de uma lágrima derramada. A sua beleza sobrenatural era
completamente contrária aos seus sentimentos, esses de uma humanidade extrema,
de uma tristeza sepulcral.
Trevor, vivia agora os seus confusos quinze anos. A ele, não
era a beleza que o fazia destacar-se. Era a sua inteligência, o seu olhar
expressivo. Um olhar que daria esperança, certamente, a qualquer alma com uma réstia
de vida. Transmitia a beleza humana. A beleza do pensamento, do sentimento e da
natureza. A beleza de um ser sofrido, um ser com sonhos, com esperança. O seu
cabelo encaracolado de um castanho vivo, chegava-lhe aos ombros e o seu corpo
era mediano. Não era sensual, apenas belo.
Os olhos inocentes de Saphira interceptaram-se com a
esperança emanada pelo olhar de Trevor. Ambos eram sofridos, de maneiras
diferentes, por razões distintas. Ela tinha o olhar de quem sonhava mudar a
humanidade. Ele tinha no olhar uma esperança inequívoca de que a humanidade
mudasse. Os seus olhares prenderam-se um ao outro de forma inexplicável. Era, para
ambos, a primeira vez que o calor da compreensão lhes dançava na alma.
Nesse momento, o coração de Saphira acelera compulsivamente
e o respirar de Trevor silencia-se como se o ruído da respiração ameaçasse
arruinar aquele momento.
Nesse instante, um ameaçador trovão quebra a escuridão
instalada naquele jardim mortuário e a chuva começa a cair compulsivamente.